sábado, 8 de novembro de 2014

Marcha sobre Washington - 50 anos



Nesta quarta-feira, 28/ago, completam-se cinquenta anos daMarcha sobre Washington”, que reuniu 250 mil pessoas na capital americana para clamar, orar e cantar por liberdade, trabalho, justiça social e pelo fim da segregação racial; foi um ponto alto do movimento por direitos humanos onde Martin Luther King Jr pronunciou o conhecido discurso Eu tenho um sonho”.


Há aqueles que, ainda hoje, questionam o valor e as motivações da obra de Luther King, buscando em sua biografia posicionamentos políticos ou teológicos pelos quais julgam desmerecê-lo. Recentemente tive acesso ao livroBloodlines”, de John Piper, o qual traz, na introdução, um breve histórico da vida de Luther King. Dificilmente poderíamos ter acesso a uma avaliação mais balizada sobre a importância de Luther King do que essa, vinda de um pastor americano, branco, conservador e que vivenciou aqueles dias. O texto traz afirmações como:

Martin Luther King clamou pelas liberdades, direitos e justiça que estavam há muito esquecidos. E ele fez isso com um apelo à histórica visão cristã, com habilidade retórica incrível, sem apologia a violência e com um sucesso sem precedente e duradouro.

Coisas foram feitas e ditas naqueles dias precisam ser conhecidas por aqueles que não estavam lá.

Precisamos ouvir o poder e perspicácia com que o King falou para a minha geração nos anos sessenta, enfurecendo milhares e inspirando outros milhares.

Essa é a voz profética de Martin Luther King . . .

Embora a comemoração dessa quarta-feira remeta ao discurso “Eu tenho um sonho”, o texto de Piper destaca aCarta da Prisão de Birminghama qual foi descrita por um biógrafo como “a mais eloquente e conhecida expressão dos objetivos e da filosofia do movimento de não violência jamais escrita.” Além dos documentos “lincados” acima, segue uma tradução livre da introdução de Bloodlines.

Vivemos dias nos quais persistem conflitos étnicos, religiosos e as mais variadas formas de discriminação e segregação, não só em países distantes, mas também ao nosso lado, em nossas cidades, em nossas esquinas e periferias. O exemplo de Luther King é certamente uma herança preciosa de fé e ação a inspirar nosso posicionamento como cristãos diante das demandas sociais e éticas que nos cercam.

Uma leitura inspiradora a todos.

==============================================================

INTRODUÇÃO
MARTIN LUTHER KING JR.
Como foi para aqueles que não estavam lá?
John Piper
Bloodlines


Um livro sobre raça escrito por um baby boomer, que atingiu a maioridade em 1960, tem de começar com o movimento dos direitos civis. Isso ainda nos prende, nos define de muitas maneiras. Depois da própria escravidão e da Guerra Civil, nenhum evento ou movimento nos últimos 400 anos afetou tanto o clima racial na América de hoje mais do que este movimento. Coisas foram feitas e ditas naqueles dias precisam ser conhecidas por aqueles que não estavam lá. O porta-voz mais eloquente do movimento foi Martin Luther King Jr. Sua visão e sua descrição da situação que deu origem ao movimento ajuda explicar por que esse livro existe, especialmente a parte 1, "Nosso Mundo: A necessidade do Evangelho”.
O LÍDER

Martin Luther King Jr. nasceu 15 de janeiro de 1929. Em 4 de abril de 1968, às 18h, do lado de fora do quarto 306 do Lorraine Motel, em Memphis, Tennessee, aos trinta e nove anos de idade, King estava junto à grade olhando alguns edifícios degradados pouco além, em Mulberry Street. James Earl Ray mirou com um rifle calibre .30 e atingiu o lado direito do rosto e do pescoço de King. Ele foi declarado morto no Hospital St. Joseph, uma hora e cinco minutos depois. A voz de não violência contra o ódio do racismo chegara ao fim.
Por que um homem de trinta e nove anos de idade deveria ser morto? Precisamos ensinar aos nossos filhos esta história. Alguns de nós a vivemos e nunca iremos esquecê-la. A segregação foi o mundo em que cresci – separação jurídica obrigatória de raças em todos os níveis. Escolas separadas, motéis separados, banheiros separados, piscinas separadas, bebedouros separados. Como você poderia comunicar de forma mais clara a mentira de que ser negro era como uma doença? Ela produziu um efeito incrivelmente opressivo e degradante na comunidade Afro-americana. E também teve um efeito mortificador e contaminador de consciência na comunidade branca.
King não desencadeou o movimento. Ele foi arrastado para ele, quase contra sua vontade. O movimento dos direitos civis teve muitos catalisadores. Um dos mais importantes aconteceu em 17 de maio de 1954. Esse foi o dia em que o Suprema Corte decidiu que o caso chamado Brown vs Board of Education. A corte declarou que a segregação imposta pelo Estado nas escolas públicas era uma violação da Décima Quarta Emenda. Muitos estudiosos dizem que "Brown continua a ser a mais importante decisão da Suprema Corte no século XX".  Alguns diriam que a decisão de 1973 “Roe vs Wade” foi igualmente importante, mas por razões opostas. Brown tentou restaurar os direitos de um grupo oprimido. Roe vs Wade retirava os direitos de um grupo oprimido.
Outro catalisador aconteceu cerca de um ano e meio depois. Em 1 º de dezembro de 1955, uma mulher negra de quarenta e dois anos de idade chamada Rosa Parks (que morreu em 24 de outubro de 2005) se recusou a entregar seu assento a um homem branco em um ônibus oficialmente segregado em Montgomery, Alabama. A comunidade negra de Montgomery se reuniu entorno dela quando ela foi colocada na cadeia. Eles boicotaram os ônibus por 381 dias. O líder do movimento, não por escolha própria, foi o pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, de vinte e seis anos de idade, o reverendo Martin Luther King Jr. E com essa liderança, ele se tornou o representante incontestável do movimento até sua morte 13 anos mais tarde. Ninguém falou em nome dessa causa com mais influência.
"A EXPRESSÃO MAIS ELOQUENTE E MAIS CONHECIDA"

Martin Luther King clamou pelas liberdades, direitos e justiça que estavam há muito esquecidos. E ele fez isso com um apelo à histórica visão cristã, com habilidade retórica incrível, sem apologia a violência e com um sucesso sem precedente e duradouro. É por isso que há um feriado em sua homenagem. Um de seus escritos, em particular, fornece uma visão privilegiada sobre o mundo dos negros americanos em meados do século XX: "Carta da Prisão de Birmingham".
O lugar é Birmingham, Alabama. A data, 11 de abril de 1963. Eu tinha dezessete anos de idade, em Greenville, South Carolina. No Gaston Motel, quarto 30, Martin Luther King, Ralph Abernathy, Wyatt Walker, e Fred Shuttlesworth decidiram liderar uma manifestação pacífica, não violenta, no dia seguinte – sexta-feira da paixão – contra as injustiças raciais da cidade.
Como na maioria das cidades do Sul nesses dias (incluindo a que eu estava crescendo em 350 milhas de distância) assentos de ônibus eram segregados, escolas, parques, lanchonetes, banheiros, bebedouros, quase todos segregados. Alguns diziam que Birmingham era a cidade mais segregada do país. Devido aos atentados a bomba e incêndios criminosos contra igrejas e casas de negros tinha recebido o nome de "Bombingham" e de "Johanesburgo do sul".
O xerife Bull Connor, encaminhou a Martin Luther King uma liminar do tribunal do estado que proibia que ele e outros líderes do movimento de realizassem a manifestação. Depois que a esposa e os quatro filhos de voltaram para casa em Atlanta, King decidiu violar a liminar, realizar a manifestação pacífica, não violenta, e voluntariamente ir para a cadeia. Na Sexta-feira Santa, King conduziu cinquenta voluntários até o centro da cidade, até a barreira de policiais e ficou cara-a-cara com Connor. Ajoelhou-se juntamente com Ralph Abernathy em oração. Ele e todos os manifestantes foram jogados em camburões e colocados na cadeia.
Na terça-feira, 16 de abril foi mostrado a King uma cópia do Birmingham News, que continha uma carta de oito clérigos cristãos e judeus de Alabama (todos brancos), criticando King por sua demonstração. Em resposta, King escreveu o que veio a ser chamado de "Carta da prisão de Birmingham" a qual um biógrafo descreveu como "a mais eloquente e conhecida expressão dos objetivos e da filosofia do movimento de não violência jamais escrita."
COMO FOI – PARA AQUELES QUE NÃO ESTAVAM LÁ

Precisamos ouvir o poder e perspicácia com que o King falou para a minha geração nos anos sessenta, enfurecendo milhares e inspirando outros milhares. Os clérigos brancos haviam dito que ele deveria ter tido mais paciência, ter esperado mais e não ter realizado a manifestação. Ele escreveu:
Talvez seja fácil àqueles que nunca sentiram os dardos perfurantes da segregação dizer “espere”. Mas quando você viu bandos perversos lincharem suas mães e pais à vontade e afogar suas irmãs e irmãos a seu capricho; quando você viu policiais cheios de ódio amaldiçoarem, chutarem e até matarem seus irmãos e irmãs negros; quando você vê a vasta maioria de seus vinte milhões de irmãos negros sufocando-se na jaula hermética da pobreza em meio a uma sociedade de prosperidade;
. . . quando você de repente descobre sua língua travada e sua fala fica gaga ao tentar explicar a sua irmã de seis anos de idade por que ela não pode ir ao parque de diversões público cuja propaganda acabou de passar na televisão, e vê lágrimas jorrando dos olhos dela quando lhe é dito que o Funtown está fechado para crianças de cor, e vê ameaçadoras nuvens de inferioridade começando a se formar em seu pequeno céu mental, e a vê começar a distorcer sua personalidade ao desenvolver um rancor inconsciente contra as pessoas brancas;
. . . quando você tem de inventar uma resposta a um filho de cinco anos de idade que está perguntando: “papai, por que as pessoas brancas tratam as pessoas de cor tão mal?”; quando você faz uma viagem através de seu estado e descobre ser necessário dormir noite após noite nos cantos desconfortáveis de seu carro porque nenhum motel o aceita; quando você é humilhado entra dia sai dia por letreiros irritantes dizendo “branco” e “de cor”; quando seu nome se torna “neguinho”  (não importa sua idade), e sua mulher e sua mãe nunca são chamadas pelo título respeitável de "senhora";
. . . quando você é perseguido de dia e assombrado à noite pelo fato de que você é um negro, vivendo constantemente na ponta dos pés, sem saber exatamente o que esperar em seguida, e é atormentado por medos interiores e ressentimentos exteriores; quando você está sempre lutando contra uma impressão degradante de “não ser ninguém” – então você entenderá porque achamos difícil esperar. Chega um momento em que a capacidade de suportar esgota-se, e os homens não estão mais dispostos a mergulhar no abismo do desespero. Espero, senhores, que vocês possam compreender nossa impaciência legítima e inevitável.
Quanto à acusação de que ele era um extremista, ele respondeu assim:
Não era Jesus um extremista do amor: “Ame seus inimigos, abençoe aqueles que te amaldiçoam, faça o bem àqueles que te odeiam e ore por aqueles que desprezivelmente te usam e te atormentam”? Não era Amós um extremista da justiça: “Deixem a justiça fluir como as águas e a probidade como um rio que nunca para”? Não era Paulo um extremista do evangelho cristão: “Carrego no meu corpo as marcas do Senhor Jesus”?
Não era Martinho Lutero um extremista: “Aqui estou; não tenho alternativa, então que Deus me ajude”? E John Bunyan: “Ficarei na prisão até o fim dos meus dias, mas não sacrificarei a minha consciência”. E Abraham Lincoln: “Esse país não pode sobreviver metade escravo e metade livre”? E Thomas Jefferson: “Temos essas verdades como auto-evidentes, de que todos os homens nascem iguais...”? Assim, a questão não é se seremos extremistas, mas que tipo de extremistas seremos. Seremos extremistas do ódio ou do amor?
E, finalmente, ele fez um forte apelo para a igreja, que toca tão verdadeiro hoje como o fez em 1963:
Houve um tempo em que a igreja era bastante ponderosa – no tempo em que os primeiros cristãos regozijavam-se por ser considerados dignos de sofrer por aquilo em que acreditavam. Naqueles dias, a igreja não era apenas um termômetro que registrava as ideias e princípios da opinião pública; era um termostato que transformava os costumes da sociedade. . . . Mas o julgamento de Deus pesa sobre a igreja como nunca pesou. Se a igreja atual não recuperar o espírito de sacrifício da igreja primitiva, perderá sua autenticidade, será privada da lealdade de milhões e será descartada como um clube social irrelevante com nenhum significado para o século XX.
Essa é a voz profética de Martin Luther King ecoada fora da prisão de Birmingham, em 1963.
Quanta coisa mudou Na Essência?

Muitas coisas mudaram desde 1963. E outras coisas profundas não mudaram. Deixe-me ilustrar. Há provavelmente mais racistas brancos alucinados na América hoje do que havia em 1968. As vítimas mais prováveis são latinos ou imigrantes somalis – parecidos com os afro-americanos cujos ancestrais estiveram aqui por séculos. A Ku Klux Klan não tem mais fronteira em seu ódio.
Em 7 de junho de 1998 – veja, falo de 98, e não de 68 – em Jasper, Texas, James Byrd, um afro-americano de quarenta e nove anos de idade, foi espancado e acorrentado pelos tornozelos na parte de trás de uma caminhonete e arrastado dois quilômetros até ter a sua cabeça arrancada. Os criminosos tinham tatuagens racistas, uma delas representava um negro pendurado em uma árvore. Muitas coisas mudaram nos últimos 40 anos, mas em algumas pessoas as convicções mais profundas não mudaram. Ainda há abundância de ódio.
MAIS QUE NEGRO E BRANCO, MAS NÃO MENOS

Estou ciente de que a questão das relações raciais é maior e mais complexa do que relações entre negros e brancos nos EUA. Dediquei um capítulo à realidade global que estamos enfrentando (capítulo 3), e outra a razão pela qual este livro é especialmente (mas não exclusivamente) focado nas relações entre negros e brancos (capítulo 4). Faremos bem em não cair em generalizações demasiadamente amplas quando tratarmos de raça. É melhor ancorar nossos pensamentos no mundo real. E no mundo real, as pessoas são uma coisa e não outra. As pessoas podem ser complexas, mas não são generalidades; são seres humanos específicos. Concentrar-me em minha própria história e da realidade negro-branco, em particular, ajuda a manter meus pés no chão e meu coração ligado a pessoas reais.

A primeira parte deste livro concentra-se em nosso mundo, e segunda, na Palavra de Deus. Ou ainda, a 1ª parte lida com as questões levantadas por hereditariedades naturais e a 2ª parte lida com a nova linhagem, não decorrente da herança natural, mas a partir do sangue derramado de Jesus. O que vamos ver na 1ª parte é que o mundo em que vivemos é um mundo onde somente o evangelho de Jesus Cristo pode trazer o tipo de harmonia racial e étnica que fomos feitos para desfrutar.