quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A Copa das Manifestações


Uma percepção pessoal para os amigos que moram fora do Brasil.
Escrito em 23/junho, e só publicado em dez/2013.

Os Fatos

As manifestações no Brasil são majoritariamente, maciçamente, amplamente, largamente, predominantemente - e qualquer outro advérbio que se possa usar - PACÍFICAS.

Algo que estava fermentando do inconsciente coletivo ganhou pressão e explodiu. Em minha opinião o estopim não foi o aumento dos preços do transporte, mas o início da Copa das Confederações (já chamada de Copa das Manifestações). Nosso governo, vergonhosamente, pode planejar e executar a construção de estádios em tempos recordes de 18 ou 24 meses, mas não pode planejar uma reforma minimamente decente nos sistemas de saúde, educação, transportes, segurança, etc. Andamos à marcha ré.

Anos a fio escutando nos telejornais as mazelas de nossa terra: assaltos, estupros, desordem administrativa, políticos corruptos, leis falhas, filas de meses para conseguir um exame ou uma cirurgia, equipamentos hospitalares deixados apodrecendo em um depósito . . . e a lista ocuparia pilhas de livros. Vocês conhecem estas histórias.

A figura abaixo, que também já devem conhecer, é uma representação dessa idéia. 
 


Felizmente, um gene desviante da passividade bovina do povo brasileiro deu vazão ao protesto. Em 2011, quando os lados árabe e europeu do Mediterrâneo estavam convulsionados, o correspondente do El Pais no Brasil perguntava dentre tantas outras indagações: ¿Por qué los brasileños no reaccionan ante la corrupción de sus políticos?.” Hoje vemos que Juan Arias percebia a tensão no ar. Já deveria ter explodido antes.


Vandalismo

Não me venha falar de vandalismo - postou no FB um amigo que participou da manifestação ontem. 

Para mim, vandalismo é um assunto de segurança pública, e não dos manifestantes. De certa forma, sem desmerecer o trabalho difícil, perigoso e exaustivo dos policiais militares nesses dias, a mesma ineficiência que eles demonstram costumeiramente para prender ladrões, assassinos, estelionatários, traficantes é a ineficiência que demonstraram ontem para prender os arruaceiros.

Aqui em Brasília conversei com diversos amigos que foram à Esplanada. Famílias, crianças, idosos em número 35 a 40 mil pessoas todos na mais perfeita ordem e uns cinquenta baderneiros atacaram os policiais e os prédios públicos. Enquanto uns 50 à ala direita do Congresso quebravam e invadiam o Itamaraty, a polícia mandava bombas de gás lacrimogêneo nos manifestantes pacíficos da ala esquerda, aproximadamente 500m distante dos baderneiros. Somente três foram presos.

No Rio mais de 300 mil pessoas encheram a Getúlio Vargas. Um espetáculo de democracia e civilidade. Um número incerto de vândalos destruiu, segundo o prefeito, "98 sinais de trânsito, 31 placas de trânsito, 62 abrigos de ônibus, cinco relógios de rua, 46 placas de identificação de ruas e 340 lixeiras." Foram presos o número extraordinário de oito suspeitos. 

Alguém poderia explicar esses números insignificantes de prisões? Receio de recrudescimento e prejuízos para os manifestantes pacíficos? Estratégia de facilitar a quebradeira para denigrir a imagem dos protestos e mais tarde proibi-los?

A polícia não pode ser truculenta (mas foi). Não pode fazer prisões ilegais (mas fez). A polícia prende, mas a justiça solta - também é verdade. E precisamente estas leis frouxas, que protegem o bandido e penalizam o cidadão de bem, são também um dos motivos do protesto atravessado na garganta de todos nós.


Onde vai parar

Ninguém pode, em são discernimento, prever.

·  Não tem rumo - pipoca em todo lugar
·  Não tem alvo ou tem um punhado deles - os políticos, o sistema, o PT, a FIFA, a tarifa de transporte, a inflação, a imprensa, a falência dos serviços públicos, a impunidade, os deputados evangélicos e sua homofobia . . .
·  Não tem representação - seguir orientação do Anonymous é o fim da picada!

Assim vamos nós, andando pela ruas, dizendo que não dá mais. Não dá mais para reclamar e não fazer nada. Não dá mais para escutar as mais horríveis notícias todos os dias e ficar anestesiados diante do televisor dizendo: esse país não tem jeito.

Numa visão pessimista, destruiremos muito e construiremos pouco. 
A falta de ética que acusamos no político é uma mácula que nos atinge culturalmente. Também não somos perseverantes. Amanhã esqueceremos a cobrança que fazemos hoje.

Numa visão otimista, destruiremos muito e construiremos um pouco.
Destruiremos o senso de impunidade encravado na cabeça dos nossos políticos e administradores públicos. Destruiremos o projeto de poder irrestrito de um partido de orientação marxista e substituiremos por outro de orientação . . . Talvez melhoremos algumas leis. Nossos jovens aprenderão um pouco sobre a luta pela dignidade, sobre o poder que emana do povo.

Vamos orar ao Pai para pedir misericórdia e clareza para semear esperança.
Vamos esperar para ver no que dá. E vamos à passeata.

Abraço a todos.