Uma percepção pessoal para os amigos que moram fora do Brasil.
Escrito em 23/junho, e só publicado em dez/2013.
Os Fatos
As manifestações no
Brasil são majoritariamente, maciçamente, amplamente, largamente,
predominantemente - e qualquer outro advérbio que se possa usar - PACÍFICAS.
Algo que estava
fermentando do inconsciente coletivo ganhou pressão e explodiu. Em minha
opinião o estopim não foi o aumento dos preços do transporte, mas o início da
Copa das Confederações (já chamada de Copa das Manifestações). Nosso governo,
vergonhosamente, pode planejar e executar a construção de estádios em tempos
recordes de 18 ou 24 meses, mas não pode planejar uma reforma minimamente
decente nos sistemas de saúde, educação, transportes, segurança, etc. Andamos à
marcha ré.
Anos a fio escutando nos
telejornais as mazelas de nossa terra: assaltos, estupros, desordem
administrativa, políticos corruptos, leis falhas, filas de meses para conseguir
um exame ou uma cirurgia, equipamentos hospitalares deixados apodrecendo em um
depósito . . . e a lista ocuparia pilhas de livros. Vocês conhecem estas
histórias.
A figura abaixo, que
também já devem conhecer, é uma representação dessa idéia.
Felizmente, um gene
desviante da passividade bovina do povo brasileiro deu vazão ao protesto. Em
2011, quando os lados árabe e europeu do Mediterrâneo estavam convulsionados, o
correspondente do El Pais no Brasil perguntava “dentre tantas outras
indagações: ¿Por qué los brasileños no reaccionan ante
la corrupción de sus políticos?.” Hoje vemos que Juan Arias percebia a tensão no ar. Já deveria
ter explodido antes.
Vandalismo
Não me venha falar de vandalismo - postou no FB um amigo que participou da manifestação
ontem.
Para mim, vandalismo é um
assunto de segurança pública, e não dos manifestantes. De certa forma, sem
desmerecer o trabalho difícil, perigoso e exaustivo dos policiais militares
nesses dias, a mesma ineficiência que eles demonstram costumeiramente para
prender ladrões, assassinos, estelionatários, traficantes é a ineficiência que
demonstraram ontem para prender os arruaceiros.
Aqui em Brasília
conversei com diversos amigos que foram à Esplanada. Famílias, crianças, idosos
em número 35 a 40 mil pessoas todos na mais perfeita ordem e uns cinquenta
baderneiros atacaram os policiais e os prédios públicos. Enquanto uns 50 à ala
direita do Congresso quebravam e invadiam o Itamaraty, a polícia mandava bombas
de gás lacrimogêneo nos manifestantes pacíficos da ala esquerda,
aproximadamente 500m distante dos baderneiros. Somente três foram presos.
No Rio mais de 300 mil
pessoas encheram a Getúlio Vargas. Um espetáculo de democracia e civilidade. Um
número incerto de vândalos destruiu, segundo o prefeito, "98
sinais de trânsito, 31 placas de trânsito, 62 abrigos de ônibus, cinco relógios
de rua, 46 placas de identificação de ruas e 340 lixeiras." Foram presos o número extraordinário de oito suspeitos.
Alguém
poderia explicar esses números insignificantes de prisões? Receio de
recrudescimento e prejuízos para os manifestantes pacíficos? Estratégia de
facilitar a quebradeira para denigrir a imagem dos protestos e mais tarde
proibi-los?
A
polícia não pode ser truculenta (mas foi). Não pode fazer prisões ilegais (mas
fez). A polícia prende, mas a justiça solta - também é verdade. E precisamente
estas leis frouxas, que protegem o bandido e penalizam o cidadão de bem, são
também um dos motivos do protesto atravessado na garganta de todos nós.
Onde vai parar
Ninguém
pode, em são discernimento, prever.
·
Não tem rumo - pipoca em
todo lugar.
·
Não tem alvo ou tem um punhado deles - os políticos, o sistema, o PT, a FIFA, a tarifa de transporte, a
inflação, a imprensa, a falência dos serviços públicos, a impunidade, os
deputados evangélicos e sua homofobia . . .
·
Não tem representação - seguir
orientação do Anonymous é o fim da picada!
Assim
vamos nós, andando pela ruas, dizendo que não dá mais. Não dá mais para
reclamar e não fazer nada. Não dá mais para escutar as mais horríveis
notícias todos os dias e ficar anestesiados diante do televisor dizendo: esse
país não tem jeito.
Numa
visão pessimista, destruiremos muito e construiremos pouco.
A falta
de ética que acusamos no político é uma mácula que nos atinge culturalmente. Também
não somos perseverantes. Amanhã esqueceremos a cobrança que fazemos hoje.
Numa
visão otimista, destruiremos muito e construiremos um pouco.
Destruiremos
o senso de impunidade encravado na cabeça dos nossos políticos e
administradores públicos. Destruiremos o projeto de poder irrestrito de um
partido de orientação marxista e substituiremos por outro de orientação . . . Talvez
melhoremos algumas leis. Nossos jovens aprenderão um pouco sobre a luta pela
dignidade, sobre o poder que emana do povo.
Vamos
orar ao Pai para pedir misericórdia e clareza para semear esperança.
Vamos
esperar para ver no que dá. E vamos à passeata.
Abraço
a todos.