Nesta quarta-feira, 28/ago, completam-se cinquenta anos da “Marcha sobre
Washington”, que reuniu 250 mil pessoas na capital americana para clamar,
orar e cantar por liberdade, trabalho, justiça social e pelo fim da segregação
racial; foi um ponto alto do movimento por direitos humanos onde Martin
Luther King Jr
pronunciou o
conhecido discurso “Eu tenho um sonho”.
Martin Luther King clamou pelas liberdades, direitos e
justiça que estavam há muito esquecidos. E ele fez isso com um apelo à
histórica visão cristã, com habilidade retórica incrível, sem apologia a
violência e com um sucesso sem precedente e duradouro.
Coisas foram feitas e ditas naqueles dias precisam ser
conhecidas por aqueles que não estavam lá.
Precisamos ouvir o poder e perspicácia com que o King falou
para a minha geração nos anos sessenta, enfurecendo milhares e inspirando
outros milhares.
Essa é a voz profética de Martin Luther King . . .
Embora a comemoração
dessa quarta-feira remeta ao discurso “Eu tenho um sonho”, o texto de Piper
destaca a
“Carta da Prisão de Birmingham”
a qual foi
descrita por um biógrafo como “a mais
eloquente e conhecida expressão dos objetivos e da filosofia do movimento de
não violência jamais escrita.” Além dos documentos “lincados”
acima, segue uma tradução livre da introdução de Bloodlines.
Vivemos dias nos quais
persistem conflitos étnicos, religiosos e as mais variadas formas de
discriminação e segregação, não só em países distantes, mas também ao nosso
lado, em nossas cidades, em nossas esquinas e periferias. O exemplo de Luther
King é certamente uma herança preciosa de fé e ação a inspirar nosso
posicionamento como cristãos diante das demandas sociais e éticas que nos
cercam.
Uma leitura inspiradora a todos.
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INTRODUÇÃO
MARTIN LUTHER KING JR.
Como foi para
aqueles que não estavam lá?
John Piper
Bloodlines
Um livro sobre raça escrito por um
baby boomer, que atingiu a maioridade em 1960, tem de começar com o movimento
dos direitos civis. Isso ainda nos prende, nos define de muitas maneiras.
Depois da própria escravidão e da Guerra Civil, nenhum evento ou movimento nos
últimos 400 anos afetou tanto o clima racial na América de hoje mais do que
este movimento. Coisas foram feitas e ditas naqueles dias precisam ser
conhecidas por aqueles que não estavam lá. O porta-voz mais eloquente do
movimento foi Martin Luther King Jr. Sua visão e sua descrição da situação que
deu origem ao movimento ajuda explicar por que esse livro existe, especialmente
a parte 1, "Nosso Mundo: A necessidade do Evangelho”.
O LÍDER
Martin Luther King Jr. nasceu 15 de
janeiro de 1929. Em 4 de abril de 1968, às 18h, do lado de fora do quarto 306
do Lorraine Motel, em Memphis, Tennessee, aos trinta e nove anos de idade, King
estava junto à grade olhando alguns edifícios degradados pouco além, em Mulberry
Street. James Earl Ray mirou com um rifle calibre .30 e atingiu o lado direito
do rosto e do pescoço de King. Ele foi declarado morto no Hospital St. Joseph,
uma hora e cinco minutos depois. A voz de não violência contra o ódio do
racismo chegara ao fim.
Por que um homem de trinta e nove
anos de idade deveria ser morto? Precisamos ensinar aos nossos filhos esta
história. Alguns de nós a vivemos e nunca iremos esquecê-la. A segregação foi o
mundo em que cresci – separação jurídica obrigatória de raças em todos os
níveis. Escolas separadas, motéis separados, banheiros separados, piscinas
separadas, bebedouros separados. Como você poderia comunicar de forma mais
clara a mentira de que ser negro era como uma doença? Ela produziu um efeito
incrivelmente opressivo e degradante na comunidade Afro-americana. E também
teve um efeito mortificador e contaminador de consciência na comunidade branca.
King não desencadeou o movimento. Ele
foi arrastado para ele, quase contra sua vontade. O movimento dos direitos
civis teve muitos catalisadores. Um dos mais importantes aconteceu em 17 de
maio de 1954. Esse foi o dia em que o Suprema Corte decidiu que o caso chamado
Brown vs Board of Education. A corte declarou que a segregação imposta pelo
Estado nas escolas públicas era uma violação da Décima Quarta Emenda. Muitos
estudiosos dizem que "Brown continua a ser a mais importante decisão da
Suprema Corte no século XX". Alguns
diriam que a decisão de 1973 “Roe vs Wade” foi igualmente importante, mas por
razões opostas. Brown tentou restaurar os direitos de um grupo oprimido. Roe vs
Wade retirava os direitos de um grupo oprimido.
Outro catalisador aconteceu cerca de
um ano e meio depois. Em 1 º de dezembro de 1955, uma mulher negra de quarenta
e dois anos de idade chamada Rosa Parks (que morreu em 24 de outubro de 2005)
se recusou a entregar seu assento a um homem branco em um ônibus oficialmente
segregado em Montgomery, Alabama. A comunidade negra de Montgomery se reuniu
entorno dela quando ela foi colocada na cadeia. Eles boicotaram os ônibus por
381 dias. O líder do movimento, não por escolha própria, foi o pastor da Igreja
Batista da Avenida Dexter, de vinte e seis anos de idade, o reverendo Martin
Luther King Jr. E com essa liderança, ele se tornou o representante
incontestável do movimento até sua morte 13 anos mais tarde. Ninguém falou em
nome dessa causa com mais influência.
"A EXPRESSÃO MAIS ELOQUENTE E
MAIS CONHECIDA"
Martin Luther King clamou pelas
liberdades, direitos e justiça que estavam há muito esquecidos. E ele fez isso
com um apelo à histórica visão cristã, com habilidade retórica incrível, sem
apologia a violência e com um sucesso sem precedente e duradouro. É por isso
que há um feriado em sua homenagem. Um de seus escritos, em particular, fornece
uma visão privilegiada sobre o mundo dos negros americanos em meados do século
XX: "Carta da Prisão de Birmingham".
O lugar é Birmingham, Alabama. A
data, 11 de abril de 1963. Eu tinha dezessete anos de idade, em Greenville,
South Carolina. No Gaston Motel, quarto 30, Martin Luther King, Ralph
Abernathy, Wyatt Walker, e Fred Shuttlesworth decidiram liderar uma
manifestação pacífica, não violenta, no dia seguinte – sexta-feira da paixão – contra
as injustiças raciais da cidade.
Como na maioria das cidades do Sul
nesses dias (incluindo a que eu estava crescendo em 350 milhas de distância)
assentos de ônibus eram segregados, escolas, parques, lanchonetes, banheiros,
bebedouros, quase todos segregados. Alguns diziam que Birmingham era a cidade mais
segregada do país. Devido aos atentados a bomba e incêndios criminosos contra
igrejas e casas de negros tinha recebido o nome de "Bombingham" e de
"Johanesburgo do sul".
O xerife Bull Connor, encaminhou a
Martin Luther King uma liminar do tribunal do estado que proibia que ele e
outros líderes do movimento de realizassem a manifestação. Depois que a esposa
e os quatro filhos de voltaram para casa em Atlanta, King decidiu violar a
liminar, realizar a manifestação pacífica, não violenta, e voluntariamente ir
para a cadeia. Na Sexta-feira Santa, King conduziu cinquenta voluntários até o centro
da cidade, até a barreira de policiais e ficou cara-a-cara com Connor.
Ajoelhou-se juntamente com Ralph Abernathy em oração. Ele e todos os
manifestantes foram jogados em camburões e colocados na cadeia.
Na terça-feira, 16 de abril foi
mostrado a King uma cópia do Birmingham News, que continha uma carta de oito
clérigos cristãos e judeus de Alabama (todos brancos), criticando King por sua
demonstração. Em resposta, King escreveu o que veio a ser chamado de
"Carta da prisão de Birmingham" a qual um biógrafo descreveu como
"a mais eloquente e conhecida expressão dos objetivos e da filosofia do
movimento de não violência jamais escrita."
COMO FOI – PARA AQUELES QUE NÃO ESTAVAM
LÁ
Precisamos ouvir o poder e
perspicácia com que o King falou para a minha geração nos anos sessenta, enfurecendo
milhares e inspirando outros milhares. Os clérigos brancos haviam dito que ele
deveria ter tido mais paciência, ter esperado mais e não ter realizado a
manifestação. Ele escreveu:
Talvez seja fácil àqueles que nunca sentiram os dardos
perfurantes da segregação dizer “espere”. Mas quando você viu bandos perversos
lincharem suas mães e pais à vontade e afogar suas irmãs e irmãos a seu capricho;
quando você viu policiais cheios de ódio amaldiçoarem, chutarem e até matarem
seus irmãos e irmãs negros; quando você vê a vasta maioria de seus vinte
milhões de irmãos negros sufocando-se na jaula hermética da pobreza em meio a
uma sociedade de prosperidade;
. . . quando você de repente descobre sua língua travada e
sua fala fica gaga ao tentar explicar a sua irmã de seis anos de idade por que
ela não pode ir ao parque de diversões público cuja propaganda acabou de passar
na televisão, e vê lágrimas jorrando dos olhos dela quando lhe é dito que o
Funtown está fechado para crianças de cor, e vê ameaçadoras nuvens de
inferioridade começando a se formar em seu pequeno céu mental, e a vê começar a
distorcer sua personalidade ao desenvolver um rancor inconsciente contra as
pessoas brancas;
. . . quando você tem de inventar uma resposta a um filho
de cinco anos de idade que está perguntando: “papai, por que as pessoas brancas
tratam as pessoas de cor tão mal?”; quando você faz uma viagem através de seu
estado e descobre ser necessário dormir noite após noite nos cantos
desconfortáveis de seu carro porque nenhum motel o aceita; quando você é
humilhado entra dia sai dia por letreiros irritantes dizendo “branco” e “de
cor”; quando seu nome se torna “neguinho” (não importa sua idade), e sua mulher e sua
mãe nunca são chamadas pelo título respeitável de "senhora";
. . . quando você é perseguido de dia e assombrado à noite
pelo fato de que você é um negro, vivendo constantemente na ponta dos pés, sem
saber exatamente o que esperar em seguida, e é atormentado por medos interiores
e ressentimentos exteriores; quando você está sempre lutando contra uma
impressão degradante de “não ser ninguém” – então você entenderá porque achamos
difícil esperar. Chega um momento em que a capacidade de suportar esgota-se, e
os homens não estão mais dispostos a mergulhar no abismo do desespero. Espero,
senhores, que vocês possam compreender nossa impaciência legítima e inevitável.
Quanto à acusação de que ele era um
extremista, ele respondeu assim:
Não era Jesus um extremista do amor: “Ame seus inimigos,
abençoe aqueles que te amaldiçoam, faça o bem àqueles que te odeiam e ore por
aqueles que desprezivelmente te usam e te atormentam”? Não era Amós um
extremista da justiça: “Deixem a justiça fluir como as águas e a probidade como
um rio que nunca para”? Não era Paulo um extremista do evangelho cristão:
“Carrego no meu corpo as marcas do Senhor Jesus”?
Não era Martinho Lutero um extremista: “Aqui estou; não
tenho alternativa, então que Deus me ajude”? E John Bunyan: “Ficarei na prisão
até o fim dos meus dias, mas não sacrificarei a minha consciência”. E Abraham
Lincoln: “Esse país não pode sobreviver metade escravo e metade livre”? E
Thomas Jefferson: “Temos essas verdades como auto-evidentes, de que todos os
homens nascem iguais...”? Assim, a questão não é se seremos extremistas, mas
que tipo de extremistas seremos. Seremos extremistas do ódio ou do amor?
E, finalmente, ele fez um forte apelo
para a igreja, que toca tão verdadeiro hoje como o fez em 1963:
Houve um tempo em que a igreja era bastante ponderosa – no
tempo em que os primeiros cristãos regozijavam-se por ser considerados dignos
de sofrer por aquilo em que acreditavam. Naqueles dias, a igreja não era apenas
um termômetro que registrava as ideias e princípios da opinião pública; era um
termostato que transformava os costumes da sociedade. . . . Mas o julgamento de
Deus pesa sobre a igreja como nunca pesou. Se a igreja atual não recuperar o
espírito de sacrifício da igreja primitiva, perderá sua autenticidade, será
privada da lealdade de milhões e será descartada como um clube social
irrelevante com nenhum significado para o século XX.
Essa é a voz profética de Martin
Luther King ecoada fora da prisão de Birmingham, em 1963.
Quanta coisa
mudou Na Essência?
Muitas coisas mudaram desde 1963. E outras
coisas profundas não mudaram. Deixe-me ilustrar. Há provavelmente mais racistas
brancos alucinados na América hoje do que havia em 1968. As vítimas mais prováveis
são latinos ou imigrantes somalis – parecidos com os afro-americanos cujos
ancestrais estiveram aqui por séculos. A Ku Klux Klan não tem mais fronteira em
seu ódio.
Em 7 de junho de 1998 – veja, falo de
98, e não de 68 – em Jasper, Texas, James Byrd, um afro-americano de quarenta e
nove anos de idade, foi espancado e acorrentado pelos tornozelos na parte de
trás de uma caminhonete e arrastado dois quilômetros até ter a sua cabeça
arrancada. Os criminosos tinham tatuagens racistas, uma delas representava um
negro pendurado em uma árvore. Muitas coisas mudaram nos últimos 40 anos, mas
em algumas pessoas as convicções mais profundas não mudaram. Ainda há
abundância de ódio.
MAIS QUE NEGRO E BRANCO, MAS NÃO MENOS
Estou ciente de que a questão das
relações raciais é maior e mais complexa do que relações entre negros e brancos
nos EUA. Dediquei um capítulo à realidade global que estamos enfrentando
(capítulo 3), e outra a razão pela qual este livro é especialmente (mas não
exclusivamente) focado nas relações entre negros e brancos (capítulo 4). Faremos
bem em não cair em generalizações demasiadamente amplas quando tratarmos de
raça. É melhor ancorar nossos pensamentos no mundo real. E no mundo real, as
pessoas são uma coisa e não outra. As pessoas podem ser complexas, mas não são
generalidades; são seres humanos específicos. Concentrar-me em minha própria
história e da realidade negro-branco, em particular, ajuda a manter meus pés no
chão e meu coração ligado a pessoas reais.
A primeira parte deste livro concentra-se
em nosso mundo, e segunda, na Palavra de Deus. Ou ainda, a 1ª parte lida com as
questões levantadas por hereditariedades naturais e a 2ª parte lida com a nova
linhagem, não decorrente da herança natural, mas a partir do sangue derramado de
Jesus. O que vamos ver na 1ª parte é que o mundo em que vivemos é um mundo onde
somente o evangelho de Jesus Cristo pode trazer o tipo de harmonia racial e
étnica que fomos feitos para desfrutar.